1. "França, terra de exílio e de protestos"
See the localization on the mapDurante a ditadura de Salazar, e em particular a partir de 1958, muitos portugueses e portuguesas refugiaram-se em França, o país dos direitos humanos e também o país europeu democrático mais próximo de Portugal em termos geográficos.
Em 1974, estima-se que quase 10% da população de Portugal continental vivia em França.
Terra de exílio, França tornou-se também uma terra de contestação política para alguns refugiados. Entre os mais conhecidos contam-se Mário Soares, Álvaro Cunhal, Emídio Guerreiro e José Mário Branco. E foi em França, no Château d'Hérouville, que José Afonso gravou em 1971 a canção Grândola, Vila Morena, a mesma tendo sido escolhida por Otelo Saraiva de Carvalho para assinalar no dia 25 de abril de 1974, na rádio, o início das operações contra o regime.
Gravação de Grandôla, Vila Morena no Château d'Hérouville
Gravação da canção Grândola, Vila Morena no Château d'Hérouville – 1971
Fundação José Afonso
Opositor à ditadura, o cantor José Afonso refugiou-se temporariamente em França, em 1971, para gravar o seu novo álbum, Cantigas de maio, inclusive Grândola, Vila Morena, que se tornou o hino da Revolução dos Cravos. No centro da fotografia, José Afonso está rodeado por José Mário Branco, músico e produtor, e Francisco Fanhais, músico. Foram recebidos no Château d'Hérouville, na região do Vexin, em França, que está equipado com um moderno estúdio de gravação.
Edição original do disco Cantigas de Maio
Fundação José Afonso
O Château d’Hérouville
Cortesia da Senhora Marie-Claude Magne
No início dos anos 70, o compositor francês Michel Magne, proprietário do Château d'Hérouville, na região do Vexin, a uma hora de carro de Paris, instalou lá um estúdio de gravação ultra-moderno. Para além de cantores franceses como Eddy Mitchell, o estúdio foi utilizado nos anos 70 pelos maiores artistas pop britânicos (Pink Floyd, T. Rex, Elton John, David Bowie). Michel Magne recebe no Château José Afonso em 1971.
O chão de cascalho do Château d’Hérouville
Fundação José Afonso
Como certamente os Portugueses o sabem, a canção Grândola, Vila Morena começa com o som de cascalho. Este som é o som do cascalho do Château d’Hérouville, a ser pisado por José Afonso, José Mário Branco e Francisco Fanhais.
As Três Marias
Novas Cartas Portuguesas, 1974
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, Éditions du Seuil
Em 1972, três mulheres, as “Três Marias”, denunciam a colonização, a repressão e as violências contra as mulheres perpetradas pelo Estado Novo num livro que se tornou famoso. Qualificada de “pornográfica”, a obra foi apreendida pela polícia política e um processo foi aberto contra as suas autoras, que só foram absolvidas depois do 25 de abril de 1974. O caso teve um impacto global, especialmente em França. Uma petição a favor das autoras foi entregue na Embaixada de Portugal em França em 1973 e foram signatárias desta petição pessoas como Marguerite Duras, Simone de Beauvoir, Nathalie Sarraute, Monique Wittig e Ariane Mnouchkine.
Manifestação de apoio às Três Marias em frente à Catedral de Notre-Dame
© Fotolib – Caroline Lespinasse
No dia 30 de janeiro de 1974, na véspera da segunda audiência do julgamento teve lugar, em frente à Catedral de Notre-Dame em Paris, uma “procissão” de cerca de 300 mulheres com tochas e efígies das três autoras
Cartaz da “Noite das Mulheres”, evento de apoio às Três Marias
© Ville de Paris / Bibliothèque Marguerite Durand – autor não mencionado
No dia 21 de outubro de 1973 foi organizada, no Palais de Chaillot, em Paris, uma sessão de leitura de extratos das Novas Cartas Portuguesas para apoiar às Três Marias e que contou, em particular, com a presença da atriz Delphine Seyrig, famosa pelos seus papéis nos filmes de Luis Buñuel, Alain Resnais ou François Truffaut. Facto notável na época em França, o evento teve lugar perante um público que não era misto, e contava com 600 mulheres.
Movimentos de contestação em França
Grafítis na parede da Casa dos estudantes portugueses na Cidade Universitária de Paris – maio de 1968
Fundação Calouste Gulbenkian
Durante os meses de maio e junho de 1968, a Cidade Internacional Universitária de Paris é o centro da contestação estudantil. A Casa dos Estudantes Portugueses (que abriu em 1967, financiada pela Fundação Calouste Gulbenkian) foi ocupada por membros da secção portuguesa do “Comité de ação dos trabalhadores estudantis” no dia 22 de maio de 1968. Foi declarada “Primeiro território livre de Portugal” e recebeu debates, concertos, peças de teatro, projeções de filmes.
Imagem cedida pelo ANTT
O regime português mantém um clima de suspeição e de medo relativamente aos portugueses que vivem em França, que receiam ser presos ao regressarem ao seu país ou sofrer represálias contra os seus familiares em Portugal. O medo dos “bufos” é constante. Agentes da polícia política deslocam-se frequentemente a França para investigar as atividades políticas dos emigrantes, como o ilustra esta nota.
Imagem cedida pelo ANTT
“Apoiemos os desertores, os refratários e os insubmissos portugueses!” – maio de 1973
Imagem cedida pelo ANTT
Para fugir ao serviço militar e às guerras coloniais de África, muitos jovens portugueses refugiam-se ilegalmente em França onde não beneficiam do estatuto de refugiado. Vários comités de apoio, sindicatos e associações tal como a Cimade intensificaram as suas ações (panfletos, boletins, manifestações, intervenções junto das autoridades) em prol dos desertores, dos refratários e dos insubmissos portugueses.
Panfleto de apoio aos presos políticos – 1973
Collection La Contemporaine – LC_FD_0125_17
Durante o Estado Novo, muitos opositores ao regime foram presos nas prisões políticas do Aljube, de Caxias e de Peniche ou foram deportados para as colonias (às vezes longínquas como Timor). Em 1936 foi aberto um campo de concentração no Tarrafal, em Cabo Verde. Os exilados portugueses tentaram dar a conhecer ao mundo os horrores das condições de detenção: isolamento, tortura, falta de cuidados médicos e, por vezes, assassinatos.
“Grande comício na quinta-feira, dia 25 de janeiro em homenagem à Amílcar Cabral”
Fundação Mário Soares e Maria Barroso
No dia 20 de janeiro de 1973, seis meses depois do reconhecimento pelas Nações Unidas do Partido Africano pela Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o seu fundador é assassinado em Conacri com a ajuda da polícia política portuguesa. A sua morte tem uma repercussão internacional. Um comício organizado na Casa da Tunísia em Paris reúne militantes africanos, portugueses, franceses e espanhóis que denunciam o colonialismo português.
Ministério dos Negócios Estrangeiros - AHD/MNE/SE/DGNP-PEA S.3 E.91 P.4/38281 (PEA 27)
A partir de 1968 são abertos novos consulados de Portugal em França para responder às crescentes necessidades administrativas dos emigrantes. É o caso em Nogent-sur-Marne, a leste de Paris, onde moram dezenas de milhares de portugueses. Na noite de 11 a 12 de fevereiro de 1974 foram feitos grafítis nas paredes deste consulado por militantes antifascistas e anticolonialistas que citam, em particular, A Voz do Desertor, o “jornal dos desertores e refratários portugueses”.
Ministério dos Negócios Estrangeiros - AHD/MNE/SE/DGNP-PEA S.3 E.91 P.4/38281 (PEA 27)
Ministério dos Negócios Estrangeiros - AHD/MNE/SE/DGNP-PEA S.3 E.91 P.4/38281 (PEA 27)
Ministério dos Negócios Estrangeiros - AHD/MNE/SE/DGNP-PEA S.3 E.91 P.4/38281 (PEA 27)
Ministério dos Negócios Estrangeiros - AHD/MNE/SE/DGNP-PEA S.3 E.91 P.4/38281 (PEA 27)
Ministério dos Negócios Estrangeiros - AHD/MNE/SE/DGNP-PEA S.3 E.91 P.4/38281 (PEA 27)
Mário Soares exilado em Paris
Comício Mitterrand - Soares – 1973
Imagem cedida pelo ANTT
Exilado em França desde 1970, Mário Soares estabeleceu uma relação de confiança com François Mitterrand, Primeiro-secretário do Partido Socialista francês desde 1971. O PS francês apoia a luta do seu homologo português, tal como o mostra este comício organizado em conjunto.
« Le Portugal bâillonné », de Mário Soares
Calmann-Lévy, 1972
Este livro foi iniciado em São Tomé, para onde o autor tinha sido deportado pelo regime de Salazar, e continuado durante o seu exílio em França. Trata-se de um relato histórico da ditadura portuguesa, no qual Mário Soares exprime a sua confiança na capacidade do povo português para encontrar o caminho da liberdade. Escrito em português, "Le Portugal bâillonné" foi publicado pela primeira vez em francês em abril de 1972.
Mário Soares e António Coimbra Martins em Paris em 1973
Fundação Mário Soares e Maria Barroso
Intelectual francófilo, tradutor de Jean-Paul Sartre, leitor de português em várias universidades francesas nos anos 1950, António Coimbra Martins muda-se para Paris em 1965 para se tornar diretor adjunto do Centro Cultural Português financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Foi um dos primeiros militantes do Partido Socialista português, fundado em 1973 por Mário Soares. Após a Revolução dos Cravos, em dezembro de 1974, foi nomeado Embaixador de Portugal em França, cargo que desempenhou até 1979. Aqui os dois homens são fotografados na companhia do filho de António Coimbra Martins num café do “quartier latin” em Paris.
Álvaro Cunhal exilado em Paris
Carta de Álvaro Cunhal a Jean Dobrenine, 4 de julho de 1974
Arquivos do Partido Comunista Francês / Arquivos departamentais da Seine-Saint-Denis, fundo Jean Dobrenine, 359J/2
Nas décadas de 1960 e 1970, vários dirigentes comunistas portugueses, entre os quais Álvaro Cunhal em 1965, passaram à clandestinidade e refugiaram-se em França com a ajuda do Partido Comunista Francês, que lhes arranjou documentos de identidade falsos e alojamento na região parisiense. Alguns comunistas franceses foram particularmente activos, como Jean Dobrenine, a quem Álvaro Cunhal escreveu esta carta, a 4 de julho de 1974, para lhe agradecer e pedindo-lhe que "transmitisse os nossos sentimentos de gratidão dirigidos a todos os camaradas que nos ajudaram nestes anos difíceis".
Hermínio da Palma Inácio preso em França
Hermínio da Palma Inácio e Fátima Ribeiro Pereira Bastos
Imagem fornecida pela ANTT – autor desconhecido
Um dos mais conhecidos opositores ao Estado Novo, Hermínio da Palma Inácio é conhecido pelos seus atos estrondosos, em particular pelo assalto à sucursal do Banco de Portugal na Figueira da Foz em 1967, onde roubou 29 milhões de escudos (5 milhões de francos) antes de procurar refúgio em França. Em dezembro de 1967, o Tribunal da Relação de Paris rejeita o pedido de extradição emitido pelas autoridades portuguesas ao considerar que se trata de um ato político e não de um caso de direito comum.
Fátima Ribeiro Pereira Bastos era membro da Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR), movimento político fundado e dirigido por Palma Inácio. Foi detida pela PIDE a 23 de maio de 1972 e levada para Caxias.
Ambos, são aqui fotografados no dia 27 de abril de 1974 à saída da prisão de Caxias.
“O revolucionário detido em Orly tinha roubado 5 milhões ao Banco de Portugal”
France-Soir, 27 de setembro de 1967
Procurado pela justiça portuguesa, Hermínio da Palma Inácio foi detido no dia 2 de agosto de 1967 à sua chegada ao aeroporto de Orly mediante um mandado de detenção internacional. No início do processo judicial em França, o jornal France-Soir colocou uma pergunta essencial: “será que o assalto de 5 milhões ao Banco de Portugal é para ser visto como um ato político ou de direito comum?”.